23/12/2012

do coração I







Gosto de ti. Gosto de ti como gosto de acordar cedo, para ver o nascer do sol; gosto de ti como gosto de beber café com leite e apreciar os primeiros raios de sol que trespassam os meus dedos e fazem sombras nas paredes da minha casa; gosto de ti como gosto de ler um livro muitas e muitas vezes; gosto de ti como gosto de amar o amor; Gosto dos teus olhos verdes, são os olhos mais bonitos do mundo. E que me fazem sorrir - são da cor da menta e da cor da relva regada e acabada de cortar. E gosto da tua alma, tão livre. Que voa. Que vai, e que vem. Como o vento de inverno. Como aquela folha resistente do verão, que, vendo as outras a mudarem as suas bonitas tonalidades para amarelo, laranja e castanho se mantém verde - és a minha folha resistente de outono, e o meu anjo da guarda, que volta sempre e me aquece o coração; que eu não procuro, porque ele volta sempre, com um balão na mão que, quando rebenta, liberta as borboletas das mais diferentes cores, tonalidades e feitios. Gosto de ti como gosto de ir à praia; gosto de ti como gosto do mar, no seu movimento de abraço à areia - ele volta sempre para ela.
Mas hoje, hoje é diferente. Hoje, neva no meu coração. Neva como neva lá fora; mas, não um nevar reluzente, ao qual estou habituada. Este, é um nevar sombrio, pesado, vazio. É um nevar que engole todo o sol existente no meu coração; que faz todas as flores semeadas no solo se recolham, à espera que tempos melhores cheguem. E os pássaros ficam mudos. Calados. Não mais cantam. Não mais ousam aquecer o meu coração com melodias complicadas e agudas, de bons-dias. Limitam-se a cair no chão, com os olhos fechados, com os bicos fechados; com a alma falecida, num silêncio mortal e eterno. O meu coração tornou-se assim, num lugar gélido e sem vida, como se alguém tivesse agarrado numa enorme esponja e tivesse espremido todo o amor existente neste orgão. E assim fiquei, por muito tempo. Entregue às trevas, entregue à dor e aos corredores escuros e sinuosos de uma casa abandonada; assim, fiquei entre quatro muralhas, quatro muralhas pintadas de preto - fiquei presa no meu coração.
Volta - imploro-te. É tarde. Tenho um frasco com pirilampos, bolachas e uma caneca de leite quente à tua espera. Está na hora da tua alma de pássaro voltar para mim e está na hora de aqueceres o meu coração - está na hora de me ensinares a amar, outra vez.  
E, desgastada, cansada, gélida e com uma manta por cima, sentada à janela, a ver a neve, no seu movimento dançante, a abraçar o chão, vou estar aqui sempre, a revestir as paredes do meu coração, com bonitas pétalas de rosas e borboletas, à tua espera. O meu coração é todo teu - eterno, belo, envenenado e gélido. Vou amar-te até à eternidade, até que os pássaros deixem de cantar e as folhas deixem de cair. Vou amar-te até que todo o amor do meu coração escorra pelo peito. Enquanto isso não acontece, aproveita-o, pois ele não dura para sempre, apesar de ser eternamente teu. Por isso, lembra-te:
Hoje, amor, dei-te o meu coração.

12/10/2012

chove, lá fora



Sabes, tenho saudades de ver o teu lindo sorriso estampado nesse teu rosto bonito, com esses olhos verdes e essas maçãs do rosto, rosadas; tenho saudades de ver o teu cabelo comprido a ondular ao vento; tenho saudades de sentir a profundidade do teu olhar, a largura do teu sorriso e o quão castanho é o teu cabelo; tenho saudades de ver a espuma do mar a enrolar-se na areia; tenho saudades de ver as folhas de outono nas suas tonalidades castanhas a cair, tão bonitas; tenho saudades de ver o vento a soprar na minha janela, com força, e tenho saudades de ver a chuva a cair - sobretudo, tenho saudades de ti. De nós. Do que somos, ou, na realidade, do que éramos.
Estou arrepiada : lá fora, chove. Chove mesmo com força. Presumo que as nuvens estejam chateadas e embatam umas nas outras. E, por isso, estejam a chorar. Ou então estão apenas a demonstrar o seu descontentamento em relação à tua partida. Elas têm saudades tuas. Quando te vinham a chegar, lá ao longe, cessavam; logo formavam um belo arco-íris que, se não soubesse o quão duro é o mundo, poderia dizer que, do outro lado desse bonito arco-íris, estaria um duende, sentado em cima de um pote de oiro. Mas eu sei como é o mundo. Sei como é a triste realidade lá fora. Sei que os arco-íris já desapareceram e que os pássaros já não cantam como cantavam. Nem sequer me pousam na mão, como dantes pousavam. Será que eles conseguem sentir uma alma morta, e um coração partido? Será que conseguem sentir que as minhas pernas vão abater a qualquer momento, e que só respiro porque o meu coração continua a bater? Será que eles se afastam da morte? Será que tu tens alma de pássaro, e que te afastaste de mim porque a pressentiste, mais feroz que nunca? 
A tua alma é livre e voa, como bonitos passarinhos. Por falar nisso, nunca mais vi os tais passarinhos. Será que voaram contigo? Tenho medo que tenhas voado para longe.  Que a tua alma tenha voado, para sempre - e que não haja retorno. Mas não sejamos pessimistas porque, afinal, tudo o que vai volta. Mas... E se chegaste ao fim do mundo, desprezando os limites normais da humanidade? E se o mundo não for redondo? E se, por contrário, for quadrado? Tal como o meu coração, neste momento? E se te perdeste em infinitos mares de escuridão, e estradas de saudades - tal e qual como o meu coração? O meu coração, anteriormente bonito, perdido agora, entre véus negros e noites escuras; perdido agora, entre saudades mal curadas - perdido, para sempre. E se te perdeste, meu amor? 
Neste momento, toda eu sou tristeza; toda eu sou nostalgia e toda eu sou enumerações e pontos e vírgulas; na realidade, estou mais perdida que a própria perdição, mais sozinha que a própria solidão e, acima de tudo, por entre mares de sangue, saudade e lágrimas deitada, afogada, mergulhada.  Afinal, isto são tudo nostalgias de uma manhã de chuva. Uma manhã em que a chuva está mais forte do que nunca; uma manhã em que sinto saudades de pronunciar o teu nome; uma manhã em que preciso, desesperadamente, do teu sorriso, perto de mim, como se o pudesse arrancar e trazê-lo sempre comigo; uma manhã em que grito o teu nome pelos muros que construí no meu coração; uma manhã em que gritos por entre paredes dançam, desprezando a dor que o meu coração suporta; uma manhã - oh, uma bela manhã, em que pronuncio o teu nome - uma manhã em que me lembro que, nem sequer, já te lembras do meu. 

02/09/2012

mas acabou.




Culpas o vento.
Dizes que ele levou tudo o que havia em nós. Todas as coisas belas que existiram na nossa vida, na nossa relação. No nosso amor, na nossa amizade. Que não ligava ao ódio, à inveja ou à cobiça. Era natural, apenas querido. Da minha parte, era o amor mais natural que sentira por alguém. O amor mais natural, mais bonito. Os sussurros escritos em cartas, o belo perfume do pergaminho e, essencialmente, o toque. Aquele relevo que eu sentia quando passava o meu dedo branco e sensível pela tua bonita letra; quando podia, com as minhas próprias mãos, sentir as tuas a ondular por aquele pergaminho, num ritmo esfuziante, escrevendo tão bonitas declarações de amor...
O vento sopra. 
As folhas ondulam ao sabor do vento e criam mini-tornados com o lixo que se acumula na floresta. O vento sopra, implacável. Mas está quente, é sufocante. O céu estava nublado e carregado de nuvens - se chovesse, não me admirava. 
Avanço - testa franzida, rugas nos cantos dos olhos, ligeira dor de barriga devido ao nervosismo - para aquela casinha. Lembraste, dos momentos que recordei contigo na nossa casinha de madeira? Onde bebias o teu chá e passávamos a tarde a ler? Lembraste?
E agora, pergunto-me para onde foram parar as declarações de amor. Também se foram, com o vento? Tantas muralhas que criaste no teu coração. E tão poucos soldados que consegui reunir para as deitar abaixo, de vez!
Está tudo como da última vez : velho, triste, escuro, deprimido. Abandonaste este local há anos, mas eu continuo a frequentá-lo. Mas os anos parecem-me séculos. Sinto o teu sangue a derramar pelo chão e os teus gritos a ecoar pelas paredes escuras, agora descascadas pelos ratos. Olho para o armário. Aquele armário.
Onde estão os sussurros, por entre pingos de chuva desaparecidos? Onde estão as belas cartas de amor, por entre mãos e rasgos? Onde está o meu belo coração, por entre labaredas incandescentes desaparecido? E a minha alma, que fugiu com as andorinhas do frio? 
Aquele armário está, agora, completamente destruído. Há uns tempos, estava em perfeitas condições. Hoje, as suas gavetas não têm puxador. A sua cor foi comida pelo tempo e a madeira, comida pelos bichos. Mas mais nada me interessa - o armário deixou de importar, a pintura deixou de importar, a higiene daquele local deixou de importar. Ele não me interessa mais. Este local, nada significa para mim. 
Tenho muita raiva, muita tristeza em mim. Mas sinto-me feliz - irónico, não? - mas consigo sentir. É sinal que estou viva e pronta para outras. É sinal que me podem deitar abaixo enésimas vezes, que eu vou-me levantar outras enésimas. Não faz mal. O tempo passa. Tudo vai, tudo vem. Como uma bela brisa, não é? O tempo cura tudo. Isto não será excepção. Porque a ferida sara, mas a cicatriz, essa, permanece. 
A minha cicatriz não está marcada na pele, nem na cabeça. Não caí da minha trotinete nem me magoei. Muito menos parti a cabeça. A realidade, é que está marcada cá dentro - não no meu coração.  Esse, foi-se. Tão pouco na minha alma, há muito fugida. Mas vai estar sempre marcada na minha memória. E, por mais que eu tente poli-la, por mais que tente raspá-la ou lavá-la, ela não sai. Porque é permanente. E as belas cartas, os belos sussurros, os belos sorrisos, voaram. E doí-me o coração - há muito perdido, mas dói-me. Dói-me, porque sei que, pela enésima vez, estou sozinha. Com a Dor, outra vez. E com o Diabo. Estou tão perdida; não sei onde me encontrar a mim própria, não sei onde fui parar; nem sequer sei onde começo e acabo. Apetece-me chorar rios de tristeza, lágrimas de sangue e desatar ao pranto - infelizmente, não consigo. Sinto um desalento imenso a apoderar-se de mim. Estou, por fim, acabada.
Dou um murro na gaveta e ela, em vez de sair, entra e embate na base do armário. Atiro-a para longe; ela não me interessa. E, finalmente, vejo. A chávena de chá. A bela chávena de chá, de porcelana, com fitinhas azuis desenhadas. A saqueta de chá desapareceu. Pego na chávena. Nunca antes lhe tinha tocado. Só agora me apercebo o quão fina é a sua porcelana e que o tempo não passou por ela, como passou por mim. E lembro-me de quando a chávena estava cheia de Chá Preto. Mas agora, são tudo apenas memórias. Tudo se foi e nunca mais irá voltar.
E, sem hesitar, largo a chávena. E ela espatifa-se contra o chão de madeira, em mil bocados, impossíveis de juntar e voltar a reconstruir. E dirijo-me à porta. Sem olhar para trás, fecho-a - sem hesitar.
Não estou a tentar martirizar-te. Quem sou eu, para fazer juízos de valor? Eu não sou ninguém - sou apenas como um espírito que saiu do seu corpo em busca de melhor vida mas que falhou : continua a vaguear na Terra, à espera do seu juízo final. Sou apenas um rasto da tua memória. Sou apenas uma marca na tua vida, uma marca mais pequena que um sinal, muito mais. Uma marca da qual arrancaste o coração com as unhas, uma memória da qual arrancaste a alma - eu sou apenas mais uma, meu amor. 
Não sinto nada. Não tenho sentimentos, estou triste. Sinto-me à parte, sinto que tenho medo de tudo e de todos e, quando alguém vai falar comigo, encolho-me e afasto-a. Porque eu não aguento mais isto. Não aguento mesmo. Porque me arrancaste tudo, tudo o que eu tinha de bom, e deixaste ficar o mal, que se infiltra como veneno nas minhas veias. Veias, agora, mortas. Tal como tudo o resto em mim. Deixaste-me sozinha, desprotegida, abandonada e entregue a mim própria.  Mas todos deixam, não é? Todos desistem, todos baixam os braços. Mais cedo ou mais tarde, todos se vão. 
Então, meu amor, continuas a achar que a culpa foi do vento?

20/08/2012

Deixei o diabo entrar.



Oh dor, horrível Dor, porque vieste bater à minha porta?!
Não ta vou abrir. Na realidade, vou trancar a porta a 7 chaves, vou correr todos os estores, todas as cortinas, fechar todas as janelas e isolar-me. Isolar-me de ti.
Lembraste das marcas que deixaste da última vez? Magoaste-me a sério. Na realidade, já estava acostumada à tua presença, com o teu capuz preto, todos os dias, atrás de mim - como uma sombra. Até - tenho de ser sincera - te punha um lugar na mesa. Dava-te uma sopa quente e um chocolate quente, para te aconchegar. Porque, nesta realidade aterrorizante, és a minha única companhia. No mal ou no bem, eu encontro-te sempre, sempre que precisar. Seja sentada num banco de jardim, seja no mais frio cemitério, tu estás lá. Para mim, sempre disponível.
Mas, desta vez, empurro a porta com o joelho - pára! Ainda não percebeste? Não quero ter nada a ver contigo, nunca mais. Dissequei todas as minhas forças, deitei todas as lágrimas possíveis e imaginárias, morri a teus braços - já me tens, que queres mais? Queres tomar o resto do meu corpo, ainda hoje inanimado, e sugá-lo até que mais nada exista? Mais nenhum pedaço de alma. Desta vez, não me entrego. Estou demasiado destruída para pensar se estou a fazer algo bom ou mau.
Mas tu tens mais força do que tinhas anteriormente. E nem precisas de usar as mãos. Eu sufoco, grito, choro, arranho-me e volto a gritar, e tento fechar a porta ou, pelo menos, aguentá-la. Mas quando a porta se abre - nem que seja só 1 milímetro - fica aberta para sempre. Sem excepção. E é impossível fechá-la. É como se tivessemos aberto a porta do Inferno - todos os demónios lá contidos se soltam. E, com um breve sorriso, atiraste-me contra a parede, fizeste-me derrubar todos os pratos de porcelana e, sem querer, vi sangue a correr.
Fechaste a porta com uma corrente de ar. Entraste, sorriste, ficaste. Oh Dor, sai! Porquê? Porquê eu? Porque tenho de ser sempre eu? Não entendo. Pensava que éramos amigas. Fieis companheiras, sabes. Para o bem e para o mal, para aguentarmos tudo, lado a lado. Afinal, enganei-me. Engano-me em tudo.
Mas há uma pequena diferença entre isto tudo. Há uma diferença entre soltar demónios e soltar o verdadeiro mal : o diabo. Isso, minha querida, são portas diferentes. Isso, não é a porta das traseiras, a porta pela que a Dor entrou. Não, esta é a porta principal. Aquela por onde toda a gente entra, limpa os pés no tapete, ou encosta as mãos à ombreira e pede para entrar. Minha querida, é diferente.
Mas sabes... afinal, nem é assim tão mau, viver contigo, querida Dor. Afinal, até consegues aguentar-te, dar-me um espaço para ser feliz. Mas depois, lá vens tu, implacável, como o mais forte furacão, destruir a minha vida, por completo. E choro, e grito, e adormeço. E tento, ao máximo, descomprimir. Porque tu, até queres o meu bem. Porque a Dor, neste momento, faz-me sentir bem. Melhor, comigo mesma. Realmente feliz porque eu até gosto da Dor. Está a fazer-me crescer, está a tornar-me, realmente, numa pessoa - uma pessoa que não sucumbe a medos como fantasmas ou precipícios. E a Dor torna-se bonita e torna-se minha amiga. E aprendo a viver com ela porque, na realidade, a vida é feita de barreiras. E, se não conseguirmos ultrapassá-las, só temos de viver com elas. E passaram-se anos. Até um dia.
Dor, peço-te desculpa por ter sucumbido a tudo isto. Por ter aberto a porta ao Diabo. Hoje, sucumbi a toda a dor em meu redor e explodi, por fim. Nunca mais tive a oportunidade de fechar portas, nem abrí-las. Sucumbi, acabei. Tropecei, caí. Nunca mais me levantei.

01/08/2012

a princesa desaparecida

Era uma vez, num reino longínquo, que nunca nenhuma de vós algum dia virá a conhecer, uma princesa. Não há palavras, adjetivos ou qualquer outro tipo de gramática para descrever o quão bonita era a princesa. Não há adjetivos para descrever o quão verdes e profundos eram os seus olhos. Também não há qualquer tipo de adjetivo que nos mostre o quão bonita é a sua pele, o quão frágil e de porcelana é. Mas quero que confiem em mim e nas minhas palavras.
A princesa não vestia ouro, nem rosa, nem azul. A princesa vestia preto, tinha segredos que ninguém imaginava e medos que ninguém alguma vez conseguiria descobrir. E, na princesa, havia uma coisa bastante peculiar : ela gostava de Chá Preto. Gostava do Aroma que dele provinha, gostava do seu sabor, delicado, como ela. Na realidade, este era o único Chá que ela gostava.
Porque estou a usar o Pretérito Imperfeito? Tem uma explicação simples, mas dolorosa, que ainda hoje deixa marcas.
A minha princesa fugiu. Fugiu de mim, para sempre, penso eu. Na realidade, fui eu que a deixei fugir, com o vento. Fui eu que a deixei fugir, como uma brisa de Verão. E a princesa foi com ela, para os dias mais quentes. Pousou a sua bela coroa, feita dos mais bonitos Rubis, no seu grande trono. A coroa ainda lá continua, pousada, por cima da almofada, exatamente no sítio onde ela a deixou, esperando pela sua legítima dona.
Ainda me lembro, da nossa casinha. A casinha, sim, para onde fugíamos, no bosque, quando queríamos algum sossego e paz de espírito. Era uma casinha pequenina, de madeira, caiada a branco e com várias janelas. Não tinha muita mobília - ou quase nenhuma. Era constituída por apenas uma divisão e, nessa divisão, apenas existia um fogão, um armário, um lavatório e uma estante, cheia de livros.
Quando entrávamos, abrias logo o teu armário, ias buscar a tua caneca, que já lá tinha dentro a saqueta de chá - preto, claro. Eu agarrava logo um livro da estante e, como não gostava de Chá, deitava-me no chão de madeira a ler. E tu, depois de preparares o teu Chá fumegante, fazias o mesmo. Inspiravas o seu belo aroma. E ficávamos ali, a ler, a olhar uma para a outra; a rir, a contar piadas - a ser, essencialmente, melhores amigas.
Entro. Lágrimas escorrem pelos meus olhos, olhos vulgares, que nada de bonito têm. Escorrem pela pele da minha cara, queimada pelo sol. E ajoelho-me na velha madeira, da nossa velha casinha. Hoje, as janelas da casinha estão partidas; as suas cortinas, totalmente pretas, apesar de anteriormente terem sido brancas, tal como tu tanto gostavas; o fogão não funcionava e, a estante, essa, há muito tinha apodrecido. Os livros estavam espalhados pelo chão e algumas páginas estavam espalhadas pelo chão e comidas - pelos ratos, apostava. O teu lavatório estava todo sujo e a torneia estava arrancada. E, por fim, o armário.
Como por magia, o teu armário continuava intacto. Com a mesma pintura, exatamente no mesmo sítio. E, quando o abro, vejo. Vejo a caneca, intacta. E a saqueta de chá. 
Tudo parecia tão perfeito, tão normal! Mas não era nada disso. Não era mesmo. Aquela situação era tudo, menos normal. E chorei, chorei ainda mais. As minhas pernas começaram a tremer, a cabeça a andar à roda - e ajoelhei-me. Em contacto com a fria e velha madeira, lembrei-me. 
Unimos os nossos dedos mindinhos, em sinal de promessa. Sorriste para mim, eu sorri para ti. E o Chá acabou por entornar. Sorris - já estava quase no fim, para quê dramatizar? - A realidade, é que sempre foste assim. Prática. E, principalmente, muito agarrada às tuas coisas. Amo-te.
Lembro-me da nossa promessa, enquanto bebias o teu chá e lias o teu livro, e eu passava a maior parte do tempo a olhar para ti. Lembro-me quando quase sufocámos quando tentámos fazer uma fogueira e improvisar uma lareira, para nos aquecer dos frios de Inverno e das correntes de ar. Mas só agora percebi que o fogo não era nada. Porque tu aquecias-me o coração, a mente e a alma. Só precisava de ti para perceber, verdadeiramente, o que era a amizade. Eu queria uma amizade que me consumisse, como o fogo consume lenha.
E eu amava-te tanto! E ainda continuo a amar. E amar-te-ei para sempre, até que a minha última força se esgote. Afinal, a promessa ficou por ali. Eu deixei-te ir. Talvez porque te quisesse libertar, precisavas de seguir em frente. Precisavas de alguém melhor que eu. E eu libertei-te, porque te amo, eternamente.
E quando acordei ali, ajoelhada na madeira, percebi que tudo mudara, incluindo eu. 

21/07/2012

veneno


Preciso de gritar. E quero que me deixes gritar. Quero-me desfazer em mil pedaços, em mil pedaços pequenos, que cortam como o vidro, e brilham como o espelho da Rainha Má, da Branca de Neve. Quero chorar, quero que as minhas lágrimas se cravem no teu coração como mil punhais, quero que tenhas tanto medo de mim como de um vampiro tem de estacas de madeira. Não sei se isto é sentir algo, mas que me dói o peito dói. Dói-me de esperar, dói-me de existir. Ao longo dos anos, conservei a minha existência numa caixinha de madeira. Sabes onde guardava a chave? No meu coração. Mas ele explodiu, e a chave desapareceu. Infelizmente, alguém a encontrou e abriu a minha caixinha de madeira - a minha alma desapareceu. Ganhou asas e desapareceu. Uniu-se com outra alma qualquer - já estava na hora de ela voar.
E fiquei sozinha. Só com o coração. Mas sem alma. O meu peito estava cada vez mais vazio e um nó na minha garganta começara a formar-se - apetecia-me vomitar. Vomitar até que o coração me saísse pela boca, seguido dos pulmões e de todo o vestígio de ti, dentro de mim. Mas, por outro lado, queria que fosses minha. Só minha. Não devias ser amiga de mais ninguém, só minha.
Vês, a criatura egoísta em que me tornei?! Só me importo comigo, com os meus próprios sentimentos. Se estiver bem, não quero saber. Mas se estiver mal, aí sim, sinto a dor, a palpitar, cá dentro, como se de um trampolim se tratasse. Mas, naquele dia, fizeste uma boa ação. Arranjaste um estratagema. O da maçã, sabes. Aquele, a que somos habituados desde crianças. É fácil, muito fácil. Basta encheres um caldeirão com os teus olhos, com o teu amor, com as tuas lágrimas, o teu maior sorriso, basta pores lá um bocadinho de ti, o mais pequeno que seja, e eu rendo-me. Trinco a maçã e caio no chão desamparada. Sozinha. Para um sono eterno, um sono sem reviravolta, onde tudo o que vemos é escuro e frio, morto e gelado. Queres saber outra coisa interessante? Nesta história, os 7 Anões não existem. Muito menos o princípe encantado. Eras minha, estivesse eu viva ou morta, tinhas de ser minha! Abro os olhos. Vejo-te ali, a olhares para mim. Sussuras, foi o melhor para ti.
Começo a asfixiar, aos poucos, com o teu cheiro; o teu belo sorriso, que anteriormente fora meu, queima-me os lábios; as tuas lágrimas assomam nos meus olhos e, minha Rosa, pela derradeira e última vez, o teu amor, esse, faz com que o meu coração dê a sua última e derradeira batida - morto, frio, gelado, envenenado.

09/07/2012

rosa, minha linda rosa


Recentemente, tenho-te chamado rosa. Não sei se gostas, mas para mim, o nome assenta-te na perfeição, tal como o nome 'sol' assenta no Sol. Ilumina a nossa vida, por mais escura que ela esteja; aquece os nossos dias, por mais frios que eles estejam. Acho que entendes : dá um novo rumo à nossa vida, por mais incerto que ela seja.
Hum, agora que penso, poderias chamar-te Sol - não te ficava nada mal. Mas eu não te chamei rosa só pela tua extrema beleza. Chamei-te rosa pela tua fragilidade. És frágil. Frágil como uma rosa, bonita como esta. Não me interpretes mal - a fragilidade não é uma coisa má, muito pelo contrário - mas, para mim, és forte. Eu sei que sou uma contradição - estou a chamar-te forte e frágil ao mesmo tempo - mas não me interpretes mal, mais uma vez.
A rosa nunca foi protegida - esteve sempre sozinha no Mundo, neste grande Mundo, onde ela era minúscula, no meio de tanta gente. A rosa sempre esteve oculta entre as sombras, nunca querendo ver o Sol. Como sobreviveu? Oh sim, a rosa era forte. Muito forte. E a sua extrema força foi uma mais valia, uma grande mais valia, para a sua sobrevivência.
A rosa desenvolveu, no seu belo caule, espinhos. Espinhos muito afiados. Parecem frágeis? Estás enganada, muito enganada. São espinhos fortes, verdes e que são a sua única forma de proteção. Como dói, quando nos picamos! E quem se atreve a tocar na rosa? Ninguém.
Perguntam-me pela minha melhor amiga. Um sorriso aflora nos meus lábios. Não digo muito. Apenas digo que é a minha gigante. E não digo mais nada. Porque prefiro o silêncio. Acho que transmite melhor os sentimentos. Acho que o silêncio é a forma mais bonita de mostrarmos a uma pessoa tudo, sem palavras.
Infelizmente, elas raramente percebem. Não percebem o quanto eu gosto de ti. Eu acho que tu também não percebes, para ser sincera. Mas aqui estou eu, a dizer-te tudo o que penso de ti. Admiro-te por seres forte, admiro-te pela tua coragem e adoro quando me engano a escrever qualquer coisa quando estou enervada e tu, só para enervar mais, corriges e ainda gozas comigo. Juro que gosto.
Não me vês como melhor amiga mas eu não me importo. É óbvio que dói, mas já me mentalizei que haverá sempre alguém melhor que eu. Sempre. Por mais que eu lute, por mais que eu faça, por melhor que eu tente ser, tu vais arranjar alguém melhor que eu. Já arranjaste. Mas não faz mal, acredita. Não faz mal porque isso não muda nada entre nós e isso é espetacular.
Nunca te ajudei muito e arrependo-me imenso! Nunca fui forte o suficiente. Prometi dar-te o Sol, dar-te a Lua e, se conseguisse, dar-te uma Galáxia. Mas, no fim, nem a mais ínfima estrela recebeste. Desculpa por isso, então. Desculpa.
A rosa cresceu. Está cada vez mais forte, cada vez mais linda. Mas continua frágil. Sem os seus espinhos, sente-se nua ,sente-se despida. Mas ninguém repara nela - não agora. Já ninguém repara que ela sofre em silêncio. Porque a solidão faz mal a qualquer um. Não foi a rosa que os afastou - eles é que desistiram dela. E, acreditem em mim, a minha rosa odeia que desistam dela! Sente-se mesmo mal com isso, porque ela tenta ser forte o suficiente para não desistirem, mas desistem sempre!, - incluindo eu, infelizmente. Mas eu acho que a rosa me perdoou, apesar de guardar ressentimento. E pronto. Eu e a rosa ficámos felizes. Juntas. Lado a lado. Mas eu não sou uma rosa, que fique claro. Eu não sou nada ao pé dela!
E ouve um dia, um dia lindo. Estava sol e o seu brilho, o seu lindo brilho, refletia na minha rosa. Ela estava bem disposta naquele dia e isso alegrava-me. E, pela primeira vez na minha vida, lá ao longe, vi uma menina. Era linda. Parecia um anjo. Tinha cabelo castanho, olhos lindos e um sorriso de matar. Ela aproximou-se da rosa. Ao princípio, a rosa picou-a - mas ela não desistiu! Continuou a insistir e, nos seus braços, a minha rosa partiu.
Olha, rosa. Desculpa. Desculpa por te ter deixado partir e não te ter gritado para ficares comigo. Desculpa mesmo. Mas agora, a porcaria está feita. Já te perdi, para sempre.
Agora, tenho um pedido para te fazer. Continua com os teus espinhos. Usa-os, sempre que for preciso. Lembraste daquela vez que me disseste : sê forte, porque ninguém o vai ser por ti?
Digo-te o mesmo. Se é este o preço a pagar para estares feliz... Bem, sê feliz. Porque isso enche-me o coração. Foste a melhor coisa que me aconteceu. ajudaste-me a crescer. Obrigada.
Rosa, minha linda rosa, esta foi para ti.

29/06/2012

és um pedaço de mim



Guardo ressentimento. Não de ti, mas sim de mim - de mim própria - por tudo o que te fiz passar. Não o merecias, merecias o sol, o mar, o céu, merecias uma estrela, um planeta, uma galáxia, merecias o infinito, merecias o sol. Merecias algo que conseguisse expressar em simultâneo a tua beleza e o quanto mereces que te dêem valor. 
Ter a tua amizade para mim é um privilégio. Amo-te. És como uma droga, tenho medo de deixar-te ir. Completas-me, Filipa Félix Escada.
Lembras-te? Sim, tenho a certeza que sim. Eu lembro-me : toda eu era frio, gelo, angústia, medo. Não tinha caminho - há muito que tinha desistido da luz. Sim, porque há muito que as trevas me tinham engolido e enviado para as suas profundezas, de onde ninguém, até ao dia em que apareceste, me conseguiu tirar. Eu estava preocupada com toda a gente - menos comigo. Estava preocupada com as preocupações das preocupadas das outras pessoas, que não se preocupavam comigo. Pois, as pessoas são duras, frias, cruéis - quando não precisam de nós, abandonam-nos, na fria neve das profundezas da escuridão.
Todos os dias, sem excepção princesa, pergunto-me o porquê. O porquê de apareceres e o porquê de te teres importado comigo. Sim, porque normalmente magoou as pessoas, de forma a livrar-me delas. Não as quero magoar, porque eu consigo magoar-me a mim própria e, para ser sincera, prefiro assim.
A luz, o fio de luz que dantes penetrava as paredes gastas do meu poço, do meu poço cheio de água, medo e preocupações, deixou de existir. Fui fraca, como sempre. Deixei a luz ir, estraguei-a, magoei-a e, tal como as outras pessoas, a luz desistiu de mim.
Foi aí que tu chegaste. Tal como as andorinhas chegam na primavera, tu chegaste. E não sabes o quão feliz fiquei por isso. Não me lançaste uma corda - fizeste mais. Desceste ao poço e ajudaste-me a subir. Ensinaste-me a respirar de novo, a tentar ser feliz ou, pelo menos, como pôr um sorriso na cara. Ensinaste-me o quão bom é sentir-se amado e amar outra pessoa. Ensinaste-me a voar para longe daquele poço, ensinaste-me a afastar-me dele e ensinaste-me a tentar destruí-lo.
E é isto, isto tudo que te devo. Minha princesa, minha perfeita, meu amor. Isto, é para ti. Mas espera, não páres de ler! Ainda não acabei.
São palavras. Meras palavras. A minha caneta começa a falhar, possivelmente gasta. O papel começa a desaparecer aos poucos, acabei por gastá-lo.
Mas, no meu mundo perfeito, os pássaros voam e constroem ninho, onde os arco-íris têm sete cores e as pessoas sentem-se unidas, em paz e em segurança. Eu sabia, e continuo a saber que o meu mundo perfeito é uma simples fachada. Quando o mundo real volta à tona, sabes o que nele está contido? Preto. Branco. Solidão. Confusão. Tristeza. Desgraça. E sabes qual é o maior medo do meu novo mundo?
Que os pássaros morram, deixem de construir ninhos, que os arco-íris fiquem com duas cores e as pessoas se revoltem. Sabes, na realidade, o meu maior medo é que me abandones.

23/06/2012

behind a mirror


De phones postos, observei a linha do comboio à minha frente.
Não havia muita gente lá perto, pois já só lá passavam uns dois comboios de meia em meia hora. As únicas pessoas perto passeavam pelo passeio de pedestres do outro lado da rua, preocupas consigo e com os seus problemas, não falando com ninguém e andando em grupos pequenos. Um normal dia de Primavera.
 A estação era decrépita e enferrujada. Passavam lá poucos comboios que, normalmente, eram de carregamento de mercadorias. Suspirei alto.
Filosóficamente falando, para que é que eu sirvo? Porque nasci? O que estou a fazer aqui? Valerei algo para alguém?
Não. Então porque continuo aqui sentada, resignada ao que se passa à minha volta? Porque continuo sem expressão no rosto? Porque estou demasiado infeliz para chorar? Porque não consigo deitar uma lágrima?
O meu coração há muito deixou de bater, há muito tempo. Há muito tempo que ele deixou de estar juntamente com a minha alma. Eles foram como unha e carne : podem estar juntos e estarem bem, terem a máxima força, ou estarem separados e precisarem um do outro - a minha alma precisava de completar o meu coração. Mas nada resultava. Faltavam-me os sorrisos, faltavam-me as lágrimas - estava apática.
Suspirei outra vez. Eu não estava preparada para o que ia acontecer. A culpa não é minha. Eu não escolhi nascer. Porque tenho de aguentar com tudo isto? Odeio a minha vida, odeio-me a mim, odeio as pessoas. Sinto-me mal, sinto-me sozinha, sem apoio.
Consultei o relógio da estação: faltavam cinco minutos para a chegada do próximo comboio. Levantei-me, desci as escadas e caminhei até à linha de caminhos de ferro.
Estava cansada, muito cansada - não fisicamente. As minhas pernas pareciam caminhar sozinhas para a linha do comboio, como se lá fossem encontrar um ponto zen, um ponto de conforto.
Pousei a mala num banco ali perto e encarei o meu destino de frente. Um sorriso aflorou os meus lábios quando vi o comboio cruzar a esquina. Fechei os olhos e senti o vento ondular os meus cabelos - estava feliz. Uma sensação de leveza apoderou-se de mim e pela primeira vez na minha vida, senti-me em paz e sem dor.
Ia morrer feliz.

in the end


E mais uma vez me deixaste sozinha, despedaçada, entregue a mim própria.
Que novidade. Iludiste-me e deixaste-me sozinha, entregue às estrelas, entregue a mim própria, entregue à minha alma, já há muito tempo perdida.
Porquê? Ignoro a razão, não quero ouvir resposta. Só me vai magoar mais.
Subi para o meu cavalo e entrei em mundos que nunca sonhei estar, que nunca sonhei existirem. E eles acolheram-me - abriram-me a porta, abraçaram-me, deram-me uma sopa quente e uma cama onde dormir. Deram-me carinho, proteção, fizeram-me esquecer a tua ferida mal sarada.
Hoje, passado todos estes tempos, a minha ferida é uma cicatriz, uma cicatriz feia e vísivel para todos. Os mundos que ao princípio me acolheram deixaram de fazer sentido: já não chegam para anular a minha dor, já não chegam para a suportar. Já não chegam para limpar a ferida : essa, reabriu-se outra vez. E sangra, sangra muito. E dói muito mais.
A carne é o teu maior pecado e o meu maior medo. Tenho medo que voltes, tenho medo que o teu cheiro, o teu toque volte. Tenho medo de tudo.
Deixei-me arrastar ao sabor das tuas palavras e ao aroma do teu cheiro. Deixei-me ir pelas tuas seduções, deixei-me ir.
O fumo salvou-me o vício, a lâmina o corpo e a droga a mente. Essas, sim, são as minhas melhores amigas. Essas, sim, sararam uma ferida. Só me arrependo de uma coisa : ainda te amar.