20/08/2012

Deixei o diabo entrar.



Oh dor, horrível Dor, porque vieste bater à minha porta?!
Não ta vou abrir. Na realidade, vou trancar a porta a 7 chaves, vou correr todos os estores, todas as cortinas, fechar todas as janelas e isolar-me. Isolar-me de ti.
Lembraste das marcas que deixaste da última vez? Magoaste-me a sério. Na realidade, já estava acostumada à tua presença, com o teu capuz preto, todos os dias, atrás de mim - como uma sombra. Até - tenho de ser sincera - te punha um lugar na mesa. Dava-te uma sopa quente e um chocolate quente, para te aconchegar. Porque, nesta realidade aterrorizante, és a minha única companhia. No mal ou no bem, eu encontro-te sempre, sempre que precisar. Seja sentada num banco de jardim, seja no mais frio cemitério, tu estás lá. Para mim, sempre disponível.
Mas, desta vez, empurro a porta com o joelho - pára! Ainda não percebeste? Não quero ter nada a ver contigo, nunca mais. Dissequei todas as minhas forças, deitei todas as lágrimas possíveis e imaginárias, morri a teus braços - já me tens, que queres mais? Queres tomar o resto do meu corpo, ainda hoje inanimado, e sugá-lo até que mais nada exista? Mais nenhum pedaço de alma. Desta vez, não me entrego. Estou demasiado destruída para pensar se estou a fazer algo bom ou mau.
Mas tu tens mais força do que tinhas anteriormente. E nem precisas de usar as mãos. Eu sufoco, grito, choro, arranho-me e volto a gritar, e tento fechar a porta ou, pelo menos, aguentá-la. Mas quando a porta se abre - nem que seja só 1 milímetro - fica aberta para sempre. Sem excepção. E é impossível fechá-la. É como se tivessemos aberto a porta do Inferno - todos os demónios lá contidos se soltam. E, com um breve sorriso, atiraste-me contra a parede, fizeste-me derrubar todos os pratos de porcelana e, sem querer, vi sangue a correr.
Fechaste a porta com uma corrente de ar. Entraste, sorriste, ficaste. Oh Dor, sai! Porquê? Porquê eu? Porque tenho de ser sempre eu? Não entendo. Pensava que éramos amigas. Fieis companheiras, sabes. Para o bem e para o mal, para aguentarmos tudo, lado a lado. Afinal, enganei-me. Engano-me em tudo.
Mas há uma pequena diferença entre isto tudo. Há uma diferença entre soltar demónios e soltar o verdadeiro mal : o diabo. Isso, minha querida, são portas diferentes. Isso, não é a porta das traseiras, a porta pela que a Dor entrou. Não, esta é a porta principal. Aquela por onde toda a gente entra, limpa os pés no tapete, ou encosta as mãos à ombreira e pede para entrar. Minha querida, é diferente.
Mas sabes... afinal, nem é assim tão mau, viver contigo, querida Dor. Afinal, até consegues aguentar-te, dar-me um espaço para ser feliz. Mas depois, lá vens tu, implacável, como o mais forte furacão, destruir a minha vida, por completo. E choro, e grito, e adormeço. E tento, ao máximo, descomprimir. Porque tu, até queres o meu bem. Porque a Dor, neste momento, faz-me sentir bem. Melhor, comigo mesma. Realmente feliz porque eu até gosto da Dor. Está a fazer-me crescer, está a tornar-me, realmente, numa pessoa - uma pessoa que não sucumbe a medos como fantasmas ou precipícios. E a Dor torna-se bonita e torna-se minha amiga. E aprendo a viver com ela porque, na realidade, a vida é feita de barreiras. E, se não conseguirmos ultrapassá-las, só temos de viver com elas. E passaram-se anos. Até um dia.
Dor, peço-te desculpa por ter sucumbido a tudo isto. Por ter aberto a porta ao Diabo. Hoje, sucumbi a toda a dor em meu redor e explodi, por fim. Nunca mais tive a oportunidade de fechar portas, nem abrí-las. Sucumbi, acabei. Tropecei, caí. Nunca mais me levantei.

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