29/06/2012

és um pedaço de mim



Guardo ressentimento. Não de ti, mas sim de mim - de mim própria - por tudo o que te fiz passar. Não o merecias, merecias o sol, o mar, o céu, merecias uma estrela, um planeta, uma galáxia, merecias o infinito, merecias o sol. Merecias algo que conseguisse expressar em simultâneo a tua beleza e o quanto mereces que te dêem valor. 
Ter a tua amizade para mim é um privilégio. Amo-te. És como uma droga, tenho medo de deixar-te ir. Completas-me, Filipa Félix Escada.
Lembras-te? Sim, tenho a certeza que sim. Eu lembro-me : toda eu era frio, gelo, angústia, medo. Não tinha caminho - há muito que tinha desistido da luz. Sim, porque há muito que as trevas me tinham engolido e enviado para as suas profundezas, de onde ninguém, até ao dia em que apareceste, me conseguiu tirar. Eu estava preocupada com toda a gente - menos comigo. Estava preocupada com as preocupações das preocupadas das outras pessoas, que não se preocupavam comigo. Pois, as pessoas são duras, frias, cruéis - quando não precisam de nós, abandonam-nos, na fria neve das profundezas da escuridão.
Todos os dias, sem excepção princesa, pergunto-me o porquê. O porquê de apareceres e o porquê de te teres importado comigo. Sim, porque normalmente magoou as pessoas, de forma a livrar-me delas. Não as quero magoar, porque eu consigo magoar-me a mim própria e, para ser sincera, prefiro assim.
A luz, o fio de luz que dantes penetrava as paredes gastas do meu poço, do meu poço cheio de água, medo e preocupações, deixou de existir. Fui fraca, como sempre. Deixei a luz ir, estraguei-a, magoei-a e, tal como as outras pessoas, a luz desistiu de mim.
Foi aí que tu chegaste. Tal como as andorinhas chegam na primavera, tu chegaste. E não sabes o quão feliz fiquei por isso. Não me lançaste uma corda - fizeste mais. Desceste ao poço e ajudaste-me a subir. Ensinaste-me a respirar de novo, a tentar ser feliz ou, pelo menos, como pôr um sorriso na cara. Ensinaste-me o quão bom é sentir-se amado e amar outra pessoa. Ensinaste-me a voar para longe daquele poço, ensinaste-me a afastar-me dele e ensinaste-me a tentar destruí-lo.
E é isto, isto tudo que te devo. Minha princesa, minha perfeita, meu amor. Isto, é para ti. Mas espera, não páres de ler! Ainda não acabei.
São palavras. Meras palavras. A minha caneta começa a falhar, possivelmente gasta. O papel começa a desaparecer aos poucos, acabei por gastá-lo.
Mas, no meu mundo perfeito, os pássaros voam e constroem ninho, onde os arco-íris têm sete cores e as pessoas sentem-se unidas, em paz e em segurança. Eu sabia, e continuo a saber que o meu mundo perfeito é uma simples fachada. Quando o mundo real volta à tona, sabes o que nele está contido? Preto. Branco. Solidão. Confusão. Tristeza. Desgraça. E sabes qual é o maior medo do meu novo mundo?
Que os pássaros morram, deixem de construir ninhos, que os arco-íris fiquem com duas cores e as pessoas se revoltem. Sabes, na realidade, o meu maior medo é que me abandones.

23/06/2012

behind a mirror


De phones postos, observei a linha do comboio à minha frente.
Não havia muita gente lá perto, pois já só lá passavam uns dois comboios de meia em meia hora. As únicas pessoas perto passeavam pelo passeio de pedestres do outro lado da rua, preocupas consigo e com os seus problemas, não falando com ninguém e andando em grupos pequenos. Um normal dia de Primavera.
 A estação era decrépita e enferrujada. Passavam lá poucos comboios que, normalmente, eram de carregamento de mercadorias. Suspirei alto.
Filosóficamente falando, para que é que eu sirvo? Porque nasci? O que estou a fazer aqui? Valerei algo para alguém?
Não. Então porque continuo aqui sentada, resignada ao que se passa à minha volta? Porque continuo sem expressão no rosto? Porque estou demasiado infeliz para chorar? Porque não consigo deitar uma lágrima?
O meu coração há muito deixou de bater, há muito tempo. Há muito tempo que ele deixou de estar juntamente com a minha alma. Eles foram como unha e carne : podem estar juntos e estarem bem, terem a máxima força, ou estarem separados e precisarem um do outro - a minha alma precisava de completar o meu coração. Mas nada resultava. Faltavam-me os sorrisos, faltavam-me as lágrimas - estava apática.
Suspirei outra vez. Eu não estava preparada para o que ia acontecer. A culpa não é minha. Eu não escolhi nascer. Porque tenho de aguentar com tudo isto? Odeio a minha vida, odeio-me a mim, odeio as pessoas. Sinto-me mal, sinto-me sozinha, sem apoio.
Consultei o relógio da estação: faltavam cinco minutos para a chegada do próximo comboio. Levantei-me, desci as escadas e caminhei até à linha de caminhos de ferro.
Estava cansada, muito cansada - não fisicamente. As minhas pernas pareciam caminhar sozinhas para a linha do comboio, como se lá fossem encontrar um ponto zen, um ponto de conforto.
Pousei a mala num banco ali perto e encarei o meu destino de frente. Um sorriso aflorou os meus lábios quando vi o comboio cruzar a esquina. Fechei os olhos e senti o vento ondular os meus cabelos - estava feliz. Uma sensação de leveza apoderou-se de mim e pela primeira vez na minha vida, senti-me em paz e sem dor.
Ia morrer feliz.

in the end


E mais uma vez me deixaste sozinha, despedaçada, entregue a mim própria.
Que novidade. Iludiste-me e deixaste-me sozinha, entregue às estrelas, entregue a mim própria, entregue à minha alma, já há muito tempo perdida.
Porquê? Ignoro a razão, não quero ouvir resposta. Só me vai magoar mais.
Subi para o meu cavalo e entrei em mundos que nunca sonhei estar, que nunca sonhei existirem. E eles acolheram-me - abriram-me a porta, abraçaram-me, deram-me uma sopa quente e uma cama onde dormir. Deram-me carinho, proteção, fizeram-me esquecer a tua ferida mal sarada.
Hoje, passado todos estes tempos, a minha ferida é uma cicatriz, uma cicatriz feia e vísivel para todos. Os mundos que ao princípio me acolheram deixaram de fazer sentido: já não chegam para anular a minha dor, já não chegam para a suportar. Já não chegam para limpar a ferida : essa, reabriu-se outra vez. E sangra, sangra muito. E dói muito mais.
A carne é o teu maior pecado e o meu maior medo. Tenho medo que voltes, tenho medo que o teu cheiro, o teu toque volte. Tenho medo de tudo.
Deixei-me arrastar ao sabor das tuas palavras e ao aroma do teu cheiro. Deixei-me ir pelas tuas seduções, deixei-me ir.
O fumo salvou-me o vício, a lâmina o corpo e a droga a mente. Essas, sim, são as minhas melhores amigas. Essas, sim, sararam uma ferida. Só me arrependo de uma coisa : ainda te amar.